o futuro, fantasma de mos vazias
estamos num novo milnio e cada vez mais aparecem candidatos a profetas. De umbandistas brandindo bzios a neopitonisas armadas de computadores, de tarlogos mediticos com excesso de maquiagem a quiromantes de quermesse provinciana, somos a todo momento bombardeados com vaticnios. E, o que pior, grande parte da populao parece acreditar na possibilidade de prever o futuro.
Deixemos de lado por alguns instantes o crdito ou descrdito que merece cada um dos autoproclamados profetas, e vejamos o que poderia estar por trs de um futuro anunciado.
Um vislumbre do futuro, ainda que rpido e impreciso, poderia indicar que o conceito de tempo contnuo atualmente aceito estaria errado. Em lugar de uma linearidade passado/presente/futuro, onde s o presente real, ficando o passado como memria e o futuro como incerteza, colocaramos um tempo paralelo, onde passado, presente e futuro coexistiriam em planos diferentes e manteriam suas realidades independentes. Este o universo to utilizado pela fico-cientfica, com suas mquinas do tempo e seus crononautas. O profeta, nesta hiptese, seria o indivduo capaz de captar estmulos vindos do plano futuro.
A ser mantido o conceito do tempo linear, teramos ento que aceitar uma hiptese alternativa, a do maktub (em rabe, "estava escrito" - particpio passado do verbo katab, "escrever"). Ou seja, nosso destino estaria pr-determinado, marcado em algum lugar por alguma fora oculta. O profeta, aqui, seria o sujeito capaz de localizar e desvendar este cdigo supremo, revelando aos outros seu futuro inescapvel.
Qualquer destas duas hipteses pode ser interessante do ponto de vista literrio, mas aceit-las como reais seria adotar um fatalismo assustador. Se, conforme a primeira teoria, o nosso futuro j se estiver concretizando em outro plano de existncia, tornando-se passado em outro lugar antes que para ns seja presente, no h forma de o alterar. Inteis seriam, portanto, quaisquer aes que praticssemos hoje, pois seus resultados j estariam solidificados na trama paralela do tempo. Qualquer causa nos levaria sempre mesma conseqncia. Por outro lado, se preferssemos a segunda teoria, ainda que o futuro se mantivesse futuro, no acontecido, a inutilidade das aes presentes seria a mesma, pois os seus resultados j estariam escritos algures. Mais uma vez, as conseqncias no dependeriam das causas.
No conheo qualquer pessoa sensata que concorde com qualquer destas formas de fatalismo. Faz parte to ativa das nossas convices podermos alterar nosso futuro, que passamos grande parte do tempo dedicados a tentar model-lo ou, ao menos, exercer alguma influncia sobre ele. Estudamos hoje para conseguir um diploma daqui a alguns anos, trabalhamos hoje para receber o salrio no final do ms, dormimos cedo hoje para poder acordar bem-dispostos amanh.
Ento como aceitar como verdadeiros os augrios e as antevises de todos os orculos que nos tentam pespegar? Para eles, s podemos dar uma resposta: a incredulidade. Zeno de Elia, filsofo pr-socrtico, tentou provar teoricamente que o movimento era essencialmente falso. Apresentou curiosas teorias (a divisibilidade do espao a ser percorrido, o movimento como sucesso de imobilidades, etc.). Para refutar as suas idias, Digenes de Snope, o Cnico, levantou-se em silncio e caminhou de um lado para outro. Estava provada a realidade do movimento, estava feita a refutao. Faamos como Digenes. Cada vez que nos quiserem impingir um futuro anunciado, provemos o erro pela ao influenciando ativamente o que h de vir. Sem pblico pagante, os profetas tero que mudar de profisso.