burburinho

verdades que no aconteceram

miscelnea por Nemo Nox

Todos j sabemos que uma cmara, seja fotogrfica, cinematogrfica ou videogrfica, um convite mentira. Vemos aquele aparelho com suas lentes mgicas e imediatamente nos transformamos em atores, ainda que inconscientemente, ainda que muito sutilmente.

O atleta se esfora mais para a cmara, a atriz capricha no gesto para a cmara, a me da vtima chora mais para a cmara. Com o tempo, aprendemos a dar pequenos descontos para isto, e ajustamos nossa leitura de imagens para o falso que refora o verdadeiro. Mas nos ltimos tempos, o jornalismo de televiso ultrapassou todas as barreiras entre o documental e o fictcio e transformou o telejornalismo em teledramaturgia.

Os exemplos so tantos que difcil escolher. Talvez o mais gritante seja a notcia de um alpinista que teria sido o primeiro a chegar ao pico no-sei-das-quantas. A imagem era bonita, dramtica, um contra-plonge mostrando o valoroso galgador de montanhas em seus ltimos esforos para alcanar o topo. O nico problema que a cmara j estava no alto da montanha! Ou seja, algum tinha chegado antes do rapaz ao tal pico. Ou o que estvamos vendo no passava de reencenao do feito.

As panormicas (movimento em que a cmara gira horizontalmente) so particularmente reveladoras das cenas preparadas para os telejornais. Em passeatas vemos manifestantes que s gritam e agitam bandeiras quando a cmara aponta para eles. Em festas vemos modelitos e socialites que s danam quando na mira das lentes. No ltimo reveillon, tivemos uma ridcula cena de praia onde o reprter dizia que estavam chegando no meio dos ritos a Iemanj, e as mes-de-santo s comeavam suas ladainhas bem depois da cmara as focalizar.

Quem tem alguma noo de linguagem cinematogrfica escandaliza-se com a falta de cerimnia com que os telejornais mostram cenas cuidadosamente editadas em plano e contra-plano, como se fossem puro documento da realidade. Um exemplo: faltaram passagens de nibus nas frias, e a equipe de reportagem foi at rodoviria contar a histria. Vemos um senhor frente ao guich perguntando se havia lugar no nibus para no-sei-onde. O funcionrio responde que no. H um corte e vemos a continuao do dilogo, como se nenhum intervalo houvesse ocorrido, mas agora a cmara est dentro do guich! Ou seja, a conversa foi interrompida pedido da equipe, durante os dez ou quinze minutos necessrios para mudar o equipamento de lugar, e reatada depois como se tratasse de qualquer produo hollywoodiana.

E ainda chamam isso de jornalismo.


pensamentos despenteados para dias de vendaval
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