krazy kat
eorge Herriman foi um dos primeiros inovadores na arte dos quadrinhos. Mesclando fantasia e ironia, criou uma srie despretensiosa (trao estilizado, vocabulrio coloquial) e ao mesmo tempo complexa (cenrios instveis, personagens enigmticos).
Com traos extremamente simples, que mais lembravam um rascunho, povoou o condado de Coconino, no desrtico estado norte-americano do Arizona, com a gata Krazy Kat, o rato Ignatz, e o co Offissa Pupp, em tiras distribudas a partir de 1913 pelo King Features Syndicate para vrios jornais norte-amaericanos.
Invertendo todos os valores do lugar comum em que o co inimigo do gato, que por sua vez inimigo do rato, Herriman construiu um curioso tringulo amoroso. No condado de Coconino, a gata apaixonada pelo rato, que no compreende este amor e responde com tijoladas. Krazy Kat interpreta as agresses como gestos de amor, e derrete-se cada vez mais por Ignatz. Ao co, apaixonado pela gata mas no correspondido, s resta o prazer de fazer valer o seu papel de autoridade policial e encarcerar o rato.
As estranhezas no param por a. O sexo de Krazy Kat sempre foi uma incgnita. Por vezes assumidamente macho, por outras declaradamente fmea, na maior parte do tempo comportava-se androginamente, o que s contribua para o escndalo e confuso na poca da sua publicao. Nem mesmo o nome ou a espcie de Krazy Kat esto acima de suspeitas, j que ele prprio (ela prpria?) diz enigmaticamente numa tira a Ignatz: no sou Kat nem sou Krazy, sou o que est por trs de mim. Este tipo de dilogo esfngico aparece freqentemente na histria, juntamente com uma grafia labirntica que tenta reproduzir os sons e as expresses da gria estadunidense.
O pobre rato Ignatz, irritado com os avanos romnticos do gato/gata Krazy Kat, nunca chegou a saber o verdadeiro efeito de suas tijoladas. Em vez de simplesmente machucarem e afastarem Kat, sempre fizeram com que o seu amor andrgino se fortalecesse ainda mais. Herriman criou uma explicao histrica para isto, conhecida somente pelos leitores e por Krazy Kat. Tudo comeou nos tempos de Clepatra, quando os gatos eram animais sagrados: um rato, encontrando-se apaixonado por uma gata chamada Krazy, filha da famosa Kleopatra Kat, resolveu revelar seu amor escrevendo uma declarao num tijolo e atirando-o sua amada. A carta de amor quase matou a bela gata, mas serviu para que o rato fosse por ela aceito. Desde ento, por tradio, hereditariedade ou reencarnao, atirar um tijolo num Kat sinal de amor.
Krazy Kat poderia ser comparado a Dom Quixote. Ignatz seria Sancho Pana, no compreendendo os devaneios de Krazy Kat e interrompendo-os com uma tijolada, tentando, sem sucesso, trazer o sonhador de volta ao que ele pensa ser a nica realidade. Mesmo assim, a lgica potica do gato andrgino parece sempre superar o pragmatismo simplista do rato. Num exemplo clssico, Ignatz diz que o pssaro est no fio eltrico, ao que Krazy responde: o fio que est no pssaro.
Os editores dos jornais no entendiam muito bem as tiras de Krazy Kat, e certamente prefeririam no as incluir no fosse a insistncia de um grande f, o prprio W.R. Hearst, dono dos jornais que as publicavam. A srie teve vrios seguidores ilustres, como Picasso, Chaplin, Disney, Hemingway, Scott Fitzgerald, James Joyce, entre outros. Jack Kerouc escreveu entusiasticamente sobre ela: "um progenitor direto da gerao beat, e as suas razes podem ser encontradas na alegria da Amrica, na honestidade da Amrica, na sua individualidade selvagem e autoconfiante."