burburinho

o rinoceronte

teatro por Nemo Nox

Se Gregor Samsa causou comoo ao se transformar num pequeno e inofensivo inseto no livro A Metamorfose, de Franz Kafka, imagine a repercusso de ter todos os personagens de uma histria, um a um, se transformando em rinocerontes no palco. Mas, tratando-se de uma pea de Eugne Ionesco, dramaturgo do absurdo, ningum estranhou muito.

Eugne Ionesco nasceu na Romnia em 1909, e passou a infncia em Paris, na Frana. Suas primeiras peas so quase esquetes, e no fizeram muito sucesso na poca, apesar de mais tarde, na dcada de sessenta, terem se transformado em material cult, principalmente A Cantora Careca e A Lio. Acabou consagrado, premiado em todo o mundo e eleito para a Academia Francesa em 1970. No final da vida, Ionesco deixou o teatro um pouco de lado para se dedicar defesa dos direitos humanos. Morreu em Paris em 1994.

Juntamente com Samuel Becket (de Esperando Godot), Eugne Ionesco um dos pais do teatro do absurdo. Contra tudo que se fazia no teatro, eles abriram novas portas onde qualquer coisa era possvel. Mas enquanto Becket produziu um nonsense quase puro, centrado no campo das idias e desvinculado da realidade imediata, Ionesco escreveu vrias peas que remetem a problemas reais e podem ser consideradas beirando o simbolismo. O Rinoceronte, de 1958, uma delas.

Assim, do nada, numa corriqueira cena de rua parisiense, passa um rinoceronte correndo. O povo, quase em unssono, se surpreende, mas a vida continua. Tambm continuam, porm, a aparecer rinocerontes. E isto serve de pretexto para muitas conversas sobre a possvel origem destes rinocerontes, e at sobre se tudo no passaria de iluso. Um especialista em lgica consultado, mas suas elocubraes so to absurdas que incluem at a teoria de que o filsofo Scrates na verdade teria sido um gato. Outro personagem chega concluso que os rinocerontes vistos no passam de fruto da imaginao, e mesmo quando confrontado com um dos paquidermes recusa-se a admitir que est vendo um deles. Mais tarde, quando j impossvel negar, ele se apresenta como um dos primeiros a ter estudado a questo. com pequenos episdios como este que Ionesco vai construindo em O Rinoceronte um painel de tipos que todos ns bem conhecemos.

Em meio a todos estes rinocerontes e s teorias que os cercam, est o protagonista Berenger. Ele parece ser o nico a perceber que algo est muito errado, o primeiro a pressentir a verdade sobre a origem de tantos rinocerontes, o primeiro a levantar a voz contra a corrente de inutilidades proferidas pelos outros personagens. E tanto a cegueira quanto a recusa em ver que condena a todos, que os destina a fecharem o crculo transformando-se eles mesmo em rinocerontes.

O rinoceronte, esse animal estranho e quase mtico (durante sculos, na Europa, acreditava-se que fosse um ser raro e mgico), sempre foi smbolo de algo dentro de ns, das gravuras de Drer aos filmes de Fellini, sem esquecer as esttuas de Dal. Ionesco soube capturar a mesma imagem e fazer de sua pea O Rinoceronte um marco da histria do teatro.


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