burburinho

a viso libertria de tolkien

livros por Jeff Elkins

Eu me considero um libertrio com l minsculo, do tipo pr-histrico, algumas vezes paleoconservador, at mesmo monarquista. Parece confuso? A culpa do J.R.R. Tolkien.

A viso de Tolkien para a suave minarquia do Shire, terra dos hobbits, tremendamente atraente nesta nossa poca de estados em constante expanso. Igualmente atraente a sua viso de um rei sbio na distante Gondor, satisfeito em governar de longe e seguidor da filosofia de que governa bem quem governa menos. O rei de Tolkien, Aragorn filho de Arathorn, conhece e ama o Shire, mas se satisfaz em deix-lo em paz, livre e sem impostos. Inicialmente, Tolkien nos mostra um Shire pacfico com um governo quase inexistente, mas depois vemos aquela mesma sociedade governada por um lder todo-poderoso protegido num palcio cercado de guardas. As diferenas entre a vida num e noutro sistema so ao mesmo tempo gigantescas e instrutivas.

Sem um governo central, o Shire se servia (no sentido mais verdadeiro do verbo) de prefeitos cerimoniais e de um desorganizado grupo de xerifes, guardas desarmados que tambm eram usados como mensageiros entre as vrias comunidades.

Tolkien no era um economista e, tanto quanto sei, no divulgou detalhes sobre o dia-a-dia da economia de mercado do Shire. Podemos imaginar, pelos eventos e descries na trilogia, que a sociedade do Shire era principalmente agrria por natureza e usava dinheiro (ouro, prata e cobre) nas transaes. Alguma habilidade manufatureira aparente: lemos sobre um moinho, por exemplo, e so mencionados vrios itens feitos por algum tipo de arteso especializado.

Propriedade privada um conceito bem difundido, variando das grandes fazendas aos minifndios, com manses como Bag End e pequenas residncias no Bagshot Row para habitantes mais "urbanos". E de forma alguma o Shire de Tolkien tinha fronteiras abertas. Visitantes eram geralmente bem-vindos, mas a terra dos hobbits no era um porto de imigrao livre.

Arredondando este cenrio paradisaco, Tolkien nunca menciona tarifas ou impostos.

Mais tarde, encontramos o Shire distorcido e transformado, uma sociedade com um forte governo centralizado, brutal e controlador por natureza. Todos os marcos do estado ocidental modernos esto presentes: impostos confiscatrios, passaportes indidpensveis para viagens, espies e informantes recrutados na prpria populao, imigrao aberta e at mesmo batidas policiais inesperadas, com os elementos mais vocais ou politicamente perigosos sendo agredidos e encarcerados por tempo indeterminado.

Em resumo, Tolkien pinta um quadro que se parece com o destino temido para a civilizao ocidental em 2002: uma Mordor em miniatura.

Por sorte dos resistentes hobbits do Shire, Tolkien foi suficientemente generoso para no os deixar em tal situao. Como muitos de ns hoje, os hobbits viram-se no s sob a mo pesada de um governo opressivo, mas tambm isolados e com medo. Tolkien ofereceu-lhes lderes corajosos e um final feliz, algo infelizmente mais comum na fico que na vida real.

Mas finais felizes no so impossveis. O fato de O Senhor dos Anis ter sido considerado o livro do sculo animador. Trata-se uma ode fora do esprito humano e seu inescapvel subtexto um repdio aos movimentos coletivistas de esquerda que prosperaram no sculo XX e ainda resistem no sculo XXI.

Em dose menor, o mesmo vale para a trilogia cinematogrfica de Peter Jackson. Enquanto possvel ver os filmes em nveis distintos, Jackson at agora conseguiu capturar tanto a viso de herosmo como a do cotidiano do Shire. Resta ver se o filme final vai mostrar o Shire sitiado e a sua redeno. Espera-se que o diretor no se furte dessa subtrama vital.

E, como sempre, a popularidade dos filmes est levando muita gente de volta ao material original. comum ver Atlas Shrugged, da Ayn Rand, citado como o livro que introduziu algum s idias de liberdade e libertarianismo. Para mim, sempre vai ser O Senhor dos Anis. No acredito que algum possa ler os livros e no pensar em como a vida deveria ser em comparao a como ela realmente .

Nas palavras do prprio Tolkien: "Minhas idias polticas aproximam-se mais do Anarquismo (filosoficamente compreendido, significando a abolio de controle, e no homens com bombas e bigodes) ou da monarquia 'inconstitucional'. Dem-me um rei cujo maior interesse na vida seja selos, ferrovias ou corridas de cavalos, e que tenha o poder de despedir seu vizir (ou qualquer outro ttulo que queiram) se no gostar do feitio das suas calas." Tolkien escreveu estas palavras numa carta ao seu filho Christopher em 1943, e ainda hoje elas soam to verdadeiras como nos dias sombrios da segunda guerra mundial.


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