burburinho

a sagrao da primavera

msica por Nemo Nox

Hoje difcil negar que A Sagrao da Primavera, de Igor Stravinsky (1882-1971), uma das obras sinfnicas mais importantes do sculo vinte, se no a mais importante de todas. Mas quando apresentada pela primeira vez, num famoso 28 de maio de 1913, o resultado foi muito controverso, para no dizer desastroso.

Igor Fedorovich Stravinsky tinha um background impecvel. Filho de um famoso cantor do Teatro Mariinsky de So Petersburgo, e aluno do respeitado compositor Nikolai Rimsky-Korsakov, estava no auge do sucesso na capital francesa depois de lanar os bailados O Pssaro de Fogo (1910) e Petrushka (1911), ambos coreografados por Michel Fokine e produzidos pelo mestre Sergei Diaghilev. Fechando a trilogia, veio A Sagrao da Primavera, agora coreografado pelo famoso bailarino Nijinksy, apadrinhado pelo prprio Diaghilev.

Mas a msica de A Sagrao da Primavera era to inovadora, e a coreografia de Nijinksy to ruim, que o resultado da apresentao foi um verdadeiro motim. Ningum melhor que o prprio Stravinsky para contar o que aconteceu: "A complexidade da minha partitura exigiu um grande nmero de ensaios, que Pierre Monteux [o maestro] conduziu com sua habitual habilidade e ateno. Quanto apresentao final, no posso comentar pois sa do auditrio aos primeiros compassos do preldio, que provocaram risos imediatos da platia. Eu estava revoltado. Aquelas demonstraes, inicialmente isoladas, logo se espalharam, provocando contra-demonstraes, e logo havia uma grande algazarra. Durante todo o tempo, estive ao lado de Nijinsky nos bastidores. Ele estava em p numa cadeira, gritando "16, 17, 18..." - era a marcao para os bailarinos. Naturalmente, os pobres danarinos nada podiam ouvir por causa do barulho da platia. Tive que segurar Nijinsky pelas roupas, pois ele estava furioso, pronto para subir ao palco a qualquer momento e criar um escndalo. Diaghilev mandava os eletricistas acenderem e apagarem as luzes sucessivamente, esperando com aquilo parar o barulho. Isto tudo o que me lembro daquela primeira apresentao. Estranhamente, tnhamos feito um ensaio geral para o qual convidamos, como era costume, vrios atores, pintores, msicos, escritores e outros representantes da sociedade culta, e tudo tinha transcorrido pacificamente, o que me deixou ainda mais surpreso com o tumulto da estria."

Assim como muitos ouvintes casuais de hoje ainda se espantam ao primeiro contato com A Sagrao da Primavera, mas depois de se habituarem com a msica acabam se apaixonando por ela, o mesmo ocorreu com o pblico do incio do sculo. Aps a tumultuada estria, o bailado de Stravinsky tornou-se pea fundamental do repertrio musical, deixando mesmo para trs a dana e sendo apresentado como obra sinfnica pura. Com o tempo, chegou a ser suficientemente popular para tornar-se uma das partituras escolhidas para o desenho animado dos estdios Disney Fantasia (para quem no lembra, a trilha sonora do trecho com os dinossauros).

Mas o que havia de to diferente em A Sagrao da Primavera para causar tamanha estranheza em sua noite de estria? Basicamente, a msica era to inovadora, em tantos aspectos, que o pblico ainda no estava preparado para a absorver, muito menos para a apreciar. Tudo comea com um solo agudo de fagote, que lembra vagamente o solo de flauta de Prlude l'aprs-midi d'un Faune, de Debussy (que, no por acaso, assistiu triste estria de A Sagrao de Primavera). Vo entrando outros instrumentos de sopro, com fragmentos superpostos e dissonantes, depois as cordas, em acordes batidos e ferozes. A sensao de caos, mas um caos controlado, planejado. E a percusso agressiva e de ritmos variados vem dar nfase a tudo isto, realando a complexidade harmnica e a riqueza da orquestrao. H um vigor primitivo que transmite perfeitamente a idia que deu origem ao bailado cujo subttulo "cenas da Rssia pag".

O prprio Stravinsky conta como nasceu A Sagrao da Primavera: "Um dia, quando eu terminava O Pssaro de Fogo em So Petersburgo, tive uma viso fugidia num momento em que minha mente, surpreendentemente, estava ocupada com vrias outras coisas. Imaginei um solene rito pago: sbios ancios, sentados em crculo, assistindo uma garota que dana at morrer. Eles a esto sacrificando para apaziguar o deus da primavera. Este o tema de A Sagrao da Primavera."


pensamentos despenteados para dias de vendaval
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