burburinho

os duelistas

cinema por Nemo Nox

Quando falamos em Ridley Scott, a maior parte das pessoas lembra-se de seus grandes sucessos, como Blade Runner ou Thelma & Louise. H quem prefira apontar cinicamente para seus grandes fracassos, como Legend. Mas os verdadeiros fs do diretor citam sempre aquele que pode ser o seu melhor trabalho, o primeiro longa-metragem da sua carreira, Os Duelistas (The Duellists, Inglaterra, 1977).

Quando Ridley Scott resolveu se arriscar na grande tela, ele j era um diretor veterano, com cerca de trs mil comerciais de televiso no currculo. Mas ao contrrio de outros diretores de publicidade, deixou para trs a esttica do pack-shot ao fazer o seu primeiro longa-metragem. (Vale comparar, por exemplo, com a estria cinematogrfica de outro ingls, Adrian Lyne, parceiro de Scott na publicidade, que em Flashdance usou e abusou da linguagem de comercial de tv.) Baseado num conto de Joseph Conrad (The Duel), Os Duelistas conta a histria de dois oficiais do exrcito de Napoleo, Armand d'Hubert (interpretado por Keith Carradine) e Gabriel Feraud (Harvey Keitel). Ambos so soldados orgulhosos, exemplo perfeito do militarismo francs do incio do sculo dezenove. E, por uma bobagem qualquer, acabam se enfrentando num duelo pela honra. Como nenhum dos dois morre no combate, exige o cdigo moral da poca que se batam novamente. Mas sempre acontece algum imprevisto e, apesar dos vrios duelos sucessivos, ambos continuam vivos e cada vez mais sedentos pela derrota do adversrio. Carradine e Keitel esto timos na pele dos duelistas teimosos de bigodinhos encerados, cada um com sua sutil diferena de perspectiva, cada um com seu momento prprio para apreciar a inutilidade de tantos duelos e a futilidade de no lutar. O elenco de apoio tambm de primeira, com destaque para Edward Fox e Albert Finney.

A cada reencontro, o duelo recomea, e acaba se tornando um s duelo sem fim, ao longo de mais de quinze anos e incluindo vrios tipos de disputa, da espada pistola. (Cabe aqui uma comparao curiosa com uma primeira obra de outro diretor consagrado: Steven Spielberg e seu Duel, no Brasil chamado de Encurralado, onde h tambm uma disputa irracional entre dois homens que se recusam a deixar que o outro tenha a ltima palavra.) O motivo da disputa h muito se perdeu na memria, ficando somente a noo de que preciso combater. Para d'Hubert e Feraud, o duelo deixou de ser somente a defesa da honra e passou a ser a prpria razo de viver. Nem que isto implique na prpria morte. E quantas pessoas podem verdadeiramente dizer que encontraram uma razo to forte para viver, algo que se sobreponha a qualquer outra coisa, e justifique toda a existncia?


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