ren magritte
en Magritte nasceu em 21 de novembro de 1898, em Lessines, na Blgica. Este texto comea propositalmente com dados biogrficos, j que Magritte os odiava, e irritar um artista j falecido uma atitude que ele certamente aprovaria do alto de seu pedestal surrealista. "Detesto meu passado, assim como o de qualquer pessoa. Detesto a resignao, a pacincia, o herosmo profissional e os belos sentimentos obrigatrios. Tambm detesto as artes decorativas, o folclore, a publicidade, vozes anunciando algo, a aerodinmica, os escoteiros, o cheiro de naftalina, fatos do dia, e gente bbada." Tomemos, pois, mais um gole de usque e continuemos com os dados biogrficos.
Magritte pouco se lembrava da prpria infncia, e suas memrias ficariam melhor num de seus quadros que numa autobiografia, j que se referem a fantasias de padre, a misteriosos bas e a eventos estranhos como um par de balonistas com roupas de couro que ficaram presos ao teto de sua casa, com o respectivo balo murcho e intil. Junto a este enevoado de lembranas, aparece a morte da me de Magritte, afogada em 1912. O pai mudou-se ento, com Ren e seus dois irmos, para Charleroi, onde o artista conheceria sua futura esposa e modelo de muitas telas, Georgette Berger.
Em 1916, Magritte foi para Bruxelas, com autorizao do pai, para estudar na Acadmie des Beaux-Arts, e dois anos depois o resto da famlia se juntou a ele. So desta poca seus primeiros quadros expostos, influenciados pelo cubismo e pelo futurismo. Mas o ponto de partida "oficial" de sua carreira, apontado tanto por crticos como pelo prprio artista, o quadro O Jquei Perdido. Nele j podemos ver inmeras marcas registradas de Magritte, da tela como espao teatral (marcado pela cortina) combinao inusitada de componentes. Os pilares que aparecem no quadro tornar-se-o um dos elementos recorrentes na obra de Magritte (assim como as esferas bipartidas e os papis recortados) e foram batizados por Max Ernst, outro surrealista, de "phallustrades", mistura de autoestrada, balaustrada e uma certa quantidade de phallus.
Seria possvel construir uma magrittografia unicamente com base nas recorrncias de sua obra. Atravs dos anos, Magritte reutilizou, por exemplo, inmeros ttulos para rotular quadros completamente diferentes. Uma zombaria a quem ousou atribuir simbolismos legtimos ou escusos ao seu trabalho? Ou indicao de um possvel intercmbio de significados? Alguns elementos grficos tambm foram teimosamente reutilizados, mas sempre em situaes ao menos ligeiramente diferentes, numa explorao cuidadosa de seu elenco de "personagens", fossem eles chapus, pedras ou cachimbos.
Mas o que so na verdade todos esses objetos?, parece perguntar a obra de Magritte. Uma aparncia enganosa, j que sua obra no contm objetos, mas somente representaes pictricas de objetos. "Isto no um cachimbo" ("Ceci n'est pas une pipe"), provoca a frase pintada por ele debaixo de um cachimbo, que no era mesmo um cachimbo mas somente a pintura de um cachimbo. E feita esta distino, vemo-nos s voltas no mais com um cachimbo (que nem era mesmo um cachimbo mas somente a pintura de um cachimbo) mas com vrios cachimbos, a saber: o cachimbo que no estava l (mas que considervamos como se estivesse antes de vermos a frase), a imagem pintada do cachimbo (consciente depois do raciocnio provocado pela frase), a idia do cachimbo (acesa em nossa mente graas provocao do artista), e a saudade do cachimbo (com tantos cachimbos falsos, afinal no tnhamos um verdadeiro).
E no foi s com cachimbos que Magritte armou essas divertidas confuses. Muitos de seus quadros exploraram o uso das palavras, fosse negando o que mostrava a imagem, fosse atribuindo-lhe um novo nome-significado. Assim, um relgio podia aparecer legendado como "o vento", enquanto um cavalo aparecia como "a porta". Segundo ele, "um objeto no est entranhado em seu nome de forma que no possamos encontrar um nome melhor para ele". Estas experincias bizarras com a linguagem traziam para a pintura aventuras que William James explorava na literatura ("a palavra co no morde") e Wittgenstein na filosofia ("no podemos adivinhar a funo de uma palavra sem examinar seu uso, e a dificuldade est em remover os preconceitos que bloqueiam este caminho").
Numa de suas viagens a Paris, Magritte conheceu Andr Breton e Paul luard, peas centrais da teoria surrealista. Influenciada inicialmente por Giorgio de Chirico, sua obra j podia ser facilmente considerada parte do movimento, e passou a ser convidado com freqncia para expr com o grupo. Mais tarde, na dcada de quarenta, Magritte faria incurses pelo impressionismo e pelo fauvismo, mas voltaria logo ao seu figurativismo surrealista repleto de chapus cco e mas voadoras. Mesmo em seus momentos mais decorativistas, a obra de Magritte possui aquela provocao sutil, aquele estranhamento formado com objetos do cotidiano, aquela centelha que faz sorrir e pensar. Surrealismo do melhor.