burburinho

v e veja

cinema por Nemo Nox

Como fazer para transformar um insistente sorriso ingnuo na mais pura e igualmente insistente expresso de pavor? Como fazer para transformar um jovem e saudvel aldeo da Bielorrssia num precoce veterano de guerra? Como fazer para transformar cenas onricas como bailados sob o arco-ris em cenas de pesadelo com multides sendo chacinadas sem chance de defesa? As respostas a estas e outras perguntas podem ser encontradas no elogiado e premiado filme sovitico V e Veja (Idi i smotri), de 1984, dirigido por Elm Klimov - o mesmo de Agonia (Agoniya), exibido em 1983 na VII Mostra Internacional de Cinema de So Paulo.

Florya Gaishun (interpretado pelo estranho Aleksei Kravchenko) um garoto russo como tantos outros que, no auge da Segunda Grande Guerra, consegue uma arma e junta-se aos guerrilheiros enlameados da Bielorrssia na resistncia s foras nazistas de invaso. Por ser um novato, deixado para trs na primeira misso, ficando no acampamento da floresta para testemunhar a destruio de sua aldeia natal e a morte de seus amigos e familiares. Volta a encontrar os guerrilheiros mas logo se v em meio a outro massacre efetuado pelos soldados alemes, narrado com uma desconfortante violncia. Em sua trajetria de perda da inocncia Florya acompanhado pela garota Glacha (Olga Mironova), que tampouco consegue passar impune pelos desastrosos acontecimentos.

Se em Agonia, de 1977, Klimov fazia com que a cmara se movimentasse initerruptamente, chegando ao extremo de registrar imagens de cabea para baixo pelo simples prazer do virtuosismo, j em V e Veja, realizado sete anos depois, ele parece mais contido, aproveitando inteligentemente os movimentos suaves da steadicam.

A trilha sonora de V e Veja tambm muito criativa, trabalhando com fragmentos musicais de Mozart somados a rudos ambientais e chegando a um resultado inquietante, que consegue transmitir com vigor as sensaes do protagonista.

Mas, apesar da badalada medalha de ouro que o filme conquistou no Festival de Moscou, no se pode deixar de dizer que, graas ao tema j exaustivamente explorado por cineastas de todo o mundo e ao tratamento um pouco arrastado de Klimov, V e Veja , em certos momentos de seus 122 minutos, um espetculo cansativo, que exige um certo esforo do espectador. Existem trechos onde a narrativa se torna bvia, com metforas visuais mais que ultrapassadas. Por outro lado, tambm aparecem achados de raro brilho, como a seqncia de takes com motivos circulares (o olho de uma vaca agonizante, o disparo de um foguete de sinalizao, a lua e, finalmente, o rosto do protagonista) ou o surgimento de uma cmara fotogrfica tanto no acampamento da resistncia bielorussa quanto no massacre nazista (registrando o orgulho guerreiro de ambas as partes).

O texto, como no incomum na produo cinematogrfica sovitica da poca, soa um pouco pomposo, com frases como "um bom guerrilheiro no pergunta quantos so os fascistas, mas onde eles esto". Felizmente, porm, Klimov consegue, na maior parte do tempo, substituir a palavra falada por imagens fortes como a do nazista que chora enquanto participa do fuzilamento de inocentes aldees.

O final do filme, com suas cenas de arquivo mostradas em back motion, costuma levantar alguma polmica, seja pela ingnua personalizao do fascismo na figura de Hitler, seja pela sutil identificao entre agredido e agressor conseguida atravs da superposio do retrato do Fhrer com a imagem de Florya na poa d'gua.

De qualquer maneira, pelo vigor com que V e Veja nos transmite imagens e sons de um inferno terreno, uma obra que merece ser assistida com ateno, independentemente de rtulos e modismos. Filmes como este servem, acima de tudo, para que no levemos novos Florya a se cobrirem de lama.


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