lamartine babo
amartine (de Azeredo) Babo nasceu no Rio de Janeiro em 1904, sendo da mesma gerao de Noel Rosa, Ary Barroso, Braguinha (Joo de Barro) e Pixinguinha, cobras do que ficou conhecida como a era de ouro da MPB (1930-1945), muitos dos quais vieram a ser seus parceiros. Numa poca em que cartunistas faziam msica, msicos escreviam nmeros de humor e humoristas faziam cartum, Lamartine se destacou compondo sambas, sambas-cano, marchas, valsas, ranchos, maxixes, canes que entraram para o repertrio pblico afetivo.
Dos onze irmos, Babo foi um dos trs que sobreviveu at a idade adulta, herdando dos pais o gosto pela msica - o pianista Ernesto Nazareth e o poeta Catulo da Paixo Cearense chegaram a freqentar saraus em sua casa. Lamartine Babo cursou o primrio em escola pblica, e o ginsio no Colgio So Bento, onde tambm estudara Noel Rosa. No novo colgio, venceu um concurso de poemas e uma aposta com colegas, ao compor um fox somente com as notas sol, d e mi. Do So Bento, levou a tradio religiosa que o fez compor hinos como a Ave Maria, ainda executada em primeiras comunhes.
Comeou a trabalhar cedo, foi telegrafista. Arriscava-se em operetas, mas a msica ainda no se tornara meio de vida. Foi empregado na Light e numa companhia de seguros, da qual foi demitido quando flagrado pelo chefe a batucar na mesa, mordendo a lngua, durante o expediente - sinais claros de que estava criando. Enquanto isso, escrevia artigos ou poemas para as revistas Paratodos e Shimmy, sob pseudnimos que pareciam sados de uma piada do Baro de Itarar: T. Misto, Poeta Cinzento, Janeiro Ramos, Frei Caneca, Luxurious.
Em 1929 a sorte viraria, ao ir para o rdio produzir sketches e piadas. No ano seguinte, comandaria seu prprio programa. As emissoras de rdio se multiplicaram, as tiragens ampliavam-se, e as vitrolas invadiam os lares, acabando com o papel de divulgadores dos blocos e a venda de partituras, de porta em porta. Ouvintes tomariam contato com as msicas pelo rdio e comprariam os discos nas lojas. Alm disso, a prefeitura do Rio de Janeiro instituiria o concurso que elegia a msica do carnaval. No rdio, arriscava-se a cantar de vez em quando, apesar da voz fina e anasalada, que o fez receber um telefonema injuriado:
- Al, quem fala?
- da Rdio Educadora.
- Quero falar com o Sr. Lamostine.
- No Lamostine, meu senhor, Lamartine. Sou eu mesmo.
- Ah! o senhor... muito bem. Olhe, sr. Lamartine, v cantar no rdio que o parta!
Curiosamente, isso no o impediu de formar um trio junto com Francisco Alves e Mrio Reis, os Ases do Samba. verdade que ele no cantava, s contava piadas - mas os outros dois eram os maiores cantores do Brasil. Fez sucesso com o programa Trem da Alegria, junto com Hber de Bscoli e Yara Salles, fazendo as vezes de ferrovirios: Lamartine seria o guarda-freios; Hber, o maquinista, e Yara, a foguista. Dada a magreza dos trs, Babo denominou-os Trio de Osso, aberta pilhria ao Trio de Ouro, famoso conjunto da poca. Gozador nato, foi elogiado por Braguinha porque tambm tolerava piadas contra sua figura. No poupou a sua magreza, em vrias tiradas: quando foi apresentado a um f por um amigo entusiasmado, "Este o grande Lamartine Babo, em carne e osso", replicou, "Exagero, exagero. Em osso s, em osso s". Declarou vrias que no dava fotografia suas fs. Dava radiografias. Em uma entrevista, afirmou "Eu me achava um colosso. Mas um dia, olhando-me no espelho, vi que no tenho colo, s tenho osso".
Uma de suas msicas tinha um verso assim: "Dizem que eu sou assim, assim / Minha caricatura morre de raiva de mim". Mesmo depois que a idade lhe encheu as bochechas, seu tipo fsico continuava um banquete para desenhistas, tendo grande semelhana fsica com O Amigo da Ona, de Pricles. O uruguaio-carioca Lan retratou-o melhor do que qualquer outro, exceo apenas talvez para Nssara, que venceu o carnaval de 29 com A-la-la-. Lamartine Babo esteve marcadamente envolvido com cartunistas pelo menos mais uma vez em sua vida, quando alterou a letra de uma melodia de Ary Barroso. Ary gostou tanto da nova verso, No Rancho Fundo, que convidou-o para novas parcerias; quem ficou enfurecido foi J. Carlos, autor da letra original.
Teve uma ou duas confuses com questes autorais. Sua composio mais famosa, O Teu Cabelo No Nega, foi adaptada de uma msica dos irmos Valena, que entraram na justia, levando-o a dividir com eles a taa daquele ano. Antes do concurso, havia mostrado a msica dupla Jonjoca e Castro Barbosa, que adorou-a, e a quem ele prontamente ofereceu. Dias depois, eles iam gravar outra nova msica, de autoria de Jonjoca, que teve a idia de desfazer a parceria: cada um gravaria uma, decidindo no cara e coroa...
Lamartine se casou aos 47 anos. At l, teve um envolvimento romntico sui generis: recebera uma carta de uma f apaixonada, Nair Pimenta de Oliveira, de Boa Esperana (MG), pedindo fotografias autografadas para um lbum de recordaes. A correspondncia entre eles durou um ano, alimentando esperanas de namoro pela internet. Quando pegou o trem para Minas, surpresa!, Nair era apenas o nome da sobrinha do dentista, verdadeiro autor das cartas e colecionador de fotos de celebridades. Lamartine comps, ento, Serra da Boa Esperana, que fala "Sei que Jesus no castiga / Um poeta que erra / Ns os poetas erramos / Porque rimamos tambm / Os nossos olhos / Nos olhos de algum que no vem".
Em suas composies, podia ser surrealista como em A.B.Surdo (Seu Dromedrio um poeta de juzo / uma coisa louca / Pois s faz versos quando a lua vem saindo / L do cu da boca / futurismo, menina, / futurismo, menina), onde fustigava o movimento futurista; podia ser lrico e nostlgico como em No Rancho Fundo (Onde a dor e a saudade/ Contam coisas da cidade... / Pobre moreno / Que tarde no sereno / Espera a lua no terreiro/ Tendo o cigarro por companheiro) ou fazer a crnica de costumes, como nos versos finais de O Teu Cabelo No Nega (Mulata, mulatinha, meu amor / Fui nomeado teu tenente interventor) ou em Uma Andorinha No Faz Vero (Que teu olhar / Tem correntes de luz que faz secar / O povo anda dizendo / Que essa luz do teu olhar / A Light vai mandar cortar). Era um mestre no trocadilho, brincando com a sonoridade das palavras em A.E.I.O.U. (Pois com um cabo se atracando / Na bacia navegando / Foi pra sia e teve azia) ou em S Dando com uma Pedra Nela (A av j no cemitrio / Na hora das trs ps de cal / em vez de cal joga p... nela) ou a aliterao em Boa Bola (Queria te ver na frente / de uma pistola, todo frajola / De fraque e de cartola na padiola / Que boa bola!).
Lamartine parou de compor para o carnaval em 1956, desestimulado com os rumos que as competies haviam tomado. No comeo da dcada de 60, Carlos Machado estava preparando um grande musical baseado em sua vida e obra, apesar dos protestos de Babo, que tentava convenc-lo de que sua vida no daria assunto. Acompanhou alguns ensaios, a emoo veio forte e sofreu um enfarte, fatal, em 1963.
Musicalmente, Lamartine Babo comps de canes religiosas a hinos de futebol - era Amrica fantico e desfilou em carro aberto, fantasiado de diabo, quando da conquista do campeonato de 1960. Fez uma obra-prima para cada um dos principais clubes cariocas. Suas melodias so repetidas em festas juninas, bailes de carnaval e rodas de samba, tendo sido completamente incorporadas ao domnio pblico, ao repertrio que se assobia em elevador, se escuta em ring tones, se sampleia em jingles publicitrios. Lamartine Babo um dos que ajudou a formar a idia e a imagem do Rio de Janeiro e do Brasil em seu sculo.
Duas homenagens ao seu universo so dignas de nota: as histrias em quadrinhos que Newton Foot ambientou no universo carnavalesco dos anos 30, repleto de figuras como a Nega Maluca, Rei Momo, Arlequim e Colombina, e o samba-enredo com o qual o G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense conquistou o carnaval de 1981:
Neste palco iluminado
S d lal
s presente imortal
S d lal
Nossa escola se encanta
O povo se agiganta
dono do carnaval