burburinho

leis epigramticas - parte 1

miscelnea por Nemo Nox

Vez por outra algum consegue enunciar to bem uma percepo ou uma idia que, mesmo no sendo necessariamente verdadeira, tal enunciado ganha status de lei, como se fosse uma representao inescapvel da natureza, como a lei da gravidade ou as leis da termodinmica. Por serem freqentemente mordazes e espirituosas, poderamos cham-las de leis epigramticas.

Lei de Murphy:
"Se alguma coisa pode dar errado, dar."

Existem muitas verses diferentes sobre como teria surgido a Lei de Murphy, sobre como teria sido seu enunciado original, e sobre quem seria o verdadeiro autor da frase que ficou para a posteridade. Mas todas remetem ao mesmo Edward A. Murphy Jr., um engenheiro que, no final dos anos quarenta, trabalhando para a Fora Area dos EUA, manifestou sua insatisfao por causa de um erro primrio cometido durante uma experincia com veculos de alta velocidade (os fios foram ligados ao contrrio, impedindo que o resultado do experimento fosse registrado). De acordo com George Nichols, outro engenheiro presente (e que reivindicava para si e para seus colegas a cristalizao posterior do enunciado), Murphy teria resmungado sobre um dos assistentes: "Se existe alguma forma daquele sujeito fazer um erro, ele o far." Segundo o prprio Murphy, porm, o enunciado original era bem diferente e assumia a culpa pelo ocorrido, como declarou numa entrevista de rdio: "Fiz um erro aqui ao no cobrir todas as possibilidades."

O que todos concordam que foi o capito John Paul Stapp, o piloto responsvel pelos testes, quem, numa entrevista coletiva, apresentou ao pblico a Lei de Murphy. Ao ser perguntado como ningum havia se machucado num tipo de experimento to perigoso, Stapp respondeu que era por se lembrarem da Lei de Murphy e sempre levarem em considerao todas as possibilidades de erro antes de cada teste.

No estranho que um engenheiro esteja por trs da Lei de Murphy. Em seu esprito original, ela trata de usabilidade: se todas as formas de fazer algo errado com o produto pudessem ser levadas em considerao, a possibilidade de erro em seu uso seria eliminada. Esta preocupao com o usurio final e com a qualidade do produto acabou sendo ofuscada por pessimistas barulhentos, que se apropriaram do conceito e fizeram com que passasse a representar um fatalismo negativista, como se todas as foras da natureza conspirassem para provocar desastres e dissabores. Esta vertente fatalista a que mais risadas provoca e a que transformou a Lei de Murphy num sucesso humorstico com incontveis variaes e corolrios, de "a fila do lado sempre anda mais rpido" a "uma gravata limpa atrai sempre a sopa do dia" (e um deles poderia ser "se voc criar uma lei epigramtica, ela no ser usada com a inteno original").

Princpio de Peter:
"Numa organizao hierrquica, todo mundo sobe at atingir seu nvel de incompetncia."

Em seu livro de 1969, The Peter Principle, Laurence J. Peter, lanou oficialmente sua lei epigramtica. Apesar do estilo aparentemente satrico, a lgica por trs do Princpio de Peter slida. O funcionrio que promovido pelo bom desempenho no seu cargo poder no ter a capacidade para o mesmo bom desempenho no novo cargo. Se tiver, corre o risco de ser promovido novamente, at chegar num cargo de onde, por no conseguir repetir o bom desempenho, no ser mais promovido. O exemplo clssico o do operrio promovido a gerente sem ter qualificaes para tal, fazendo com que a empresa perca um operrio competente e ganhe um gerente incompetente. Eventualmente, toda a estrutura estar preenchida por incompetentes sem chance de promoo (o que explica o ttulo de uma das tradues brasileiras do livro de Peter, Todo Mundo Incompetente Inclusive Voc).

Mais recentemente, o quadrinista Scott Adams adaptou a idia e criou o Princpio Dilbert (em artigo no Wall Street Journal em 1994 e livro homnimo em 1996), variao do Princpio de Peter: "os funcionrios mais ineficazes so sistematicamente transferidos para onde podem causar menos danos, a gerncia".

Lei de Parkinson:
"O trabalho se expande de forma a preencher todo o tempo disponvel para sua realizao."

Na mesma linha cnica do Princpio de Peter e do Princpio Dilbert, a Lei de Parkinson foi formulada nos anos cinqenta pelo historiador ingls Cyril Northcote Parkinson, primeiro em artigo no jornal The Economist e depois no livro Parkinson's Law: The Pursuit of Progress. Usando como exemplo a marinha britnica, ele observou que, independentemente da quantidade real de trabalho, o nmero de funcionrios tendia sempre a aumentar. Da mesma forma, um funcionrio com quatro horas para terminar um relatrio vai termin-lo em quatro horas, enquanto um funcionrio com oito horas para terminar o mesmo relatrio vai usar as oito horas em sua totalidade.

A crtica burocracia governamental pode ser tambm aplicada a outras situaes, e o prprio Parkinson escreveu sobre a velha senhora capaz de ocupar um dia inteiro para enviar um carto postal, demorando-se na escolha da paisagem, perdendo tempo procurando os culos ou o endereo do destinatrio, escrevendo e reescrevendo com calma a mensagem, e ainda contemplando a necessidade de levar um guarda-chuvas no seu passeio at a agncia dos correios. Um homem ocupado, porm, seria capaz de executar a mesma tarefa em trs minutos.

Lei de Brooks:
"Acrescentar mais pessoas trabalhando num projeto que est atrasado s aumentar o atraso do projeto."

Frederick Phillips Brooks Jr., mais conhecido como Fred Brooks, falava particularmente de projetos de informtica ao postular sua lei epigramtica no livro The Mythical Man-Month, de 1975, mas seu alcance ultrapassou as intenes do autor e hoje a Lei de Brooks usada em vrios contextos empresariais em resposta s freqentes tentativas gerenciais de resolver atrasos simplesmente adicionando mais gente ao processo. A entrada de novos profissionais evidentemente cria novos atrasos, exigindo tempo extra para explicar aos novatos o que os outros j sabem, para corrigir falhas de comunicao, para lidar com verses diferentes do mesmo programa ou relatrio, etc.

O famoso relato de Eric S. Raymond sobre o desenvolvimento do sistema operacional Linux, The Cathedral and the Bazaar, faz uma crtica e oferece uma contraproposta Lei de Brooks: "contanto que o coodenador do desenvolvimento tenha uma mdia pelo menos to boa quanto a internet, e saiba como liderar sem coero, muitas cabeas so inevitalmente melhores que uma". Por mais verdadeiro que possa ser este enunciado, no teve a conciso ou (mais importante) a abrangncia da Lei de Brooks, que no se limita ao contexto do software de cdigo aberto e pode ser aplicada em projetos variados e ambientes empresariais diversos. Para quem ainda duvida, os seguidores de Brooks tm uma forma alternativa e mais contundente de enunciar o princpio: "mesmo juntando nove mulheres no possvel fazer um beb em um ms".


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