histrias proibidas
e voc assistiu Histrias Proibidas (Storytelling, EUA, 2000), provavelmente o fez movido por um (ou os dois) motivos: por ser um filme de Todd Solondz (de Felicidade e Bem-Vindo Casa de Bonecas) e para saber que filme esse que teve Belle and Sebastian na trilha sonora. Os que foram pela msica se decepcionaram, pois, infelizmente, a trilha tem s duas ou trs msicas da banda. Os que foram pelo diretor, entretanto, se regalaram com um filme bem elaborado e inteligente.
Pretensamente simplista, o filme se divide em duas partes, chamadas Fico e No-Fico. Na primeira parte, dois alunos que almejam tornarem-se escritores expem suas histrias em sala de aula. Ambos usam suas experincias como tema. Essas experincias colocadas em forma de texto tomam a conotao de fico. Para os colegas de sala de aula, os textos produzidos pelos dois alunos so classificados como ruins, sem valor literrio quando no patticos e absurdos.
Na segunda parte, um ator de cinema fracassado filma um documentrio sobre o universo do adolescente na atualidade. O seu objeto de pesquisa um adolescente deslocado dentro de uma famlia estereotipada e conservadora. Um adolescente confuso, sem referncias, sem objetivos definidos, o seu personagem principal. O que a cmera captou, entretanto, s fez rir platia.
Em duas histrias, o meio tradutor da "realidade" produz um objeto independente, um terceiro objeto com vida prpria. O filme seria a comprovao disso. S que nenhuma das realidades do filme real, elas so fico. E a fica claro o que Todd Solondz veio dizer: apesar de usar de elementos da realidade, a fico uma realidade inventada.
O diretor mostra de duas formas como fico no consegue ser o retrato fiel da realidade: usando de um meio comumente identificado como ficcional, a literatura; e usando um meio comumente identificado como no-ficcional, o documentrio. A terceira histria, implcita e ao mesmo tempo clara, o filme em si, o Storytelling ou, numa traduo forada, o modo de contar da histria.
O destaque do filme que Todd Solondz aborda o tema da fico em contraponto com a realidade de uma forma habilidosa e criativa. Ele discute seu ponto de vista e ainda mostra didaticamente, qual o seu processo de comprovao desse tema. A cronologia do filme corresponde cronologia de seu processo de comprovao do tema. Aps mostrar seus dois parmetros de teste ele nos apresenta seu prprio produto (o filme Storytelling) que na tela corresponde ao produto do documentarista. Este pede editora que o deixe passar o material que j tem para uma platia, porque ele precisa de algum indicativo de que o filme est indo bem. Ela diz: "O que voc espera da platia? Que ELES dem um significado para o filme?"
Para o diretor do filme a resposta para essa pergunta talvez seja "sim, tambm" porque ele nos mostra a opinio dele atravs de uma fico. E com isso, lana para ns as mesmas perguntas que ele se props, tais como: se a fico o espelho da realidade, se as pessoas a entendem como tal, se necessrio que haja esse apelo "real" na fico ou se o espelho do real torna uma fico melhor. E no s nos d o seu produto (o filme Storytelling) como nos mostra atravs da prpria matria do que feita a sua fico, no caso, a imagem, como ele pde nos fazer crer que at ento tnhamos uma realidade e uma fico, quando na verdade, sempre tivemos e estivemos diante de uma fico, de uma realidade criada por ele.
Todd Solondz exmio em retratar temas desagradveis e pesados como pedofilia, racismo e violncia sexual em seus filmes. E em Storytelling, que no foge regra, ele faz a sua defesa, apresentando-nos seu modus operandi e seu ponto de vista de que a sua fico uma realidade criada, uma nova realidade. Um indcio disso mostrado atravs da figura do documentarista que tenta se desculpar com o objeto "real" do tema de seus filmes, de usar a realidade cruel para produzir suas fices e ganhar dinheiro. O documentarista, no filme, pede desculpas ao personagem Scooby e este lhe diz (e essa pergunta, supostamente poderia ser nossa para o diretor): "Por que voc est se preocupando? Seu filme um sucesso".
como se Todd Solondz dissesse: volte ao incio do filme e acompanhe meu raciocnio, o que eu produzo no o real, eu discuto o real atravs da minha fico. E critico a capacidade da fico ser um retrato da realidade. Eu posso ter criado uma coisa que pode no agradar, no ser fiel, e ela pode ter usado elementos do "real". Mas o meu produto uma outra coisa, no cabe minha apreenso disso tudo o dever de fidelidade, o carter de verdade.